Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

sábado, 30 de agosto de 2008

Cântico Negro




Cago na juventude e na contestação
e também me cago em Jean-Luc Godard.
Minha alma é um gabinete secreto
e murado à prova de som
e de Mao-Tsé-Tung. Pelas paredes
nem uma só gravura de Lichenstein
ou Warhol. Nas prateleiras
entre livros bafientos e descoloridos
não encontrareis decerto os nomes
de Marcuse e Cohn-Bendit. Nebulosos
volumes de qualquer filósofo
maldito, vários poetas graves
e solenes, recrutados entre chineses
do período T'ang, isabelinos,
arcaicos, renascentistas, protonotários
- esses abundam. De pop apenas
o saltar da rolha na garrafa
de verdasco. Porque eu teimo,
recuso e não alinho. Sou só.
Não parcialmente, mas rigorosamente
só, anomalia desértica em plena leiva.
Não entro na forma, não acerto o passo,
não submeto a dureza agreste do que escrevo
ao sabor da maioria. Prefiro as minorias.
De alguns. De poucos. De um só se necessário
for. Tenho esperança porém; um dia
compreendereis o significado profundo da minha
originalidade: I am really the Underground.



Rui Knopfli

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domingo, 24 de agosto de 2008

Song For Jeffrey



Jethro Tull


Uma pequena provocação ao "mangusso", na esperança de que tanta música faça com as teclas comecem a bater e a "memória" seja compartilhada.




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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O Poeta é um Fingidor



Entreteço palavras

na malha áspera destes versos

e a tessitura triste que faço

mais esmorece no azul baço

do papel. Entristeço então

a alma numa renda miúda

e apertada de ponto incerto

e complicado. Estabeleço assim

dois mundos convergentes:

A textura entristecida dos versos

e a tristeza entretecida da alma.

E logo esqueço onde tudo isto

teve começo:

Se de entristecer palavras,

se de entretecer sentimentos,

se de constranger a alma,

se de contristar palavras:

se me contristei constrangendo,

se me constrangi contristando.


Sei que me contristo entretecendo

E me entreteço de tristeza


Rui Knopfli, in Memória Consentida

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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Space Oddity



David Bowie

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segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Encontro




Que vens contar-me
se não sei ouvir senão o silêncio

Estou parado no mundo.

Só sei escutar de longe

antigamente ou lá prò futuro

É bem certo que existo:

chegou-me a vez de escutar.


Que queres que te diga

se não sei nada e desaprendo?

A minha paz é ignorar.

Aprendo a não saber:

que a ciência aprenda comigo

já que não soube ensinar.


O meu alimento é o silêncio do mundo

que fica no alto das montanhas

e não desce à cidade

e sobe às nuvens que andam à procura de forma

antes de desaparecer.


Para que queres que te apareça
se me agrada não ter horas a toda a hora?

A preguiça do céu entrou comigo

e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.

Para que me lastimas

se é este o meu auge?!

Eu tive a dita de me terem roubado tudo

menos a minha torre de marfim

Jamais os invasores levaram consigo as nossas torres de marfim


Levaram-me o orgulho todo

deixaram-me a memória envenenada

e intacta a torre de marfim

Só não sei que faça da porta da torre
que dá para donde vim.


Almada Negreiros



Boomp3.com

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domingo, 17 de agosto de 2008

Sunday Morning



The Velvet Undergrond & Nico

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Rali dos 1000 Kms de Nampula



Arnaldo Constantino e o seu Anglia 1600



Ford Cortina 1600 do Andrade



Honda S800 do Rebelo




Isuzu Bellet Sport do Humberto Nazaré



Volvo 122S do Rui Mendonça


Hoje, memórias mais prosaicas...

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Achado sem valor arqueológico




Emergirei primeiro uma ranhurada

secção da calota, nota de brancura
dissonante espreitando no denso
verde da relva. Crianças, que adivinho,
correrão insuspeitamente do horizonte.
E virão aguaceiros em bátegas fortes
e a relva vicejará lustrosa e tenra.
De noite, nas noites sem luar,
amantes furtivos hão-de estender-se
rente a mim. A epiderme macia
da rapariga loira roçar-me-á,
com um arrepio brusco, a insensibilidade
nua da fronte: náusea imperceptível
de pronto esquecida na febre
dos beijos e afagos. Após a estiagem
a erva mirrará abrindo claros.
Fitarei, então, pela primeira vez,
ao fim de tão longa vigília,
com a escura fenda que outrora
foi o meu olho esquerdo, o céu
de um azul impoluto e brunido.
A breve trecho, o ângulo tristonho
da maxila, pequena mancha clara,
prenderá a atenção de um menino
de grandes olhos serenos, que há-de
pousar em mim, sem horror, a mansa
e grave curiosidade de seu olhar sonhador.

Rui Knopfli




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sábado, 16 de agosto de 2008

Almost Cut My Hair



Crosby, Stills, Nash & Young

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sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Smoke On The Water


Deep Purple & friends

Roger Taylor (Queen, Drums), Ian Gillan (Deep Purple, Vocals), Bruce Dickinson (Iron Maiden, Vocals), Paul Rodgers (Free, Queen, Vocals), Tony Iommy (Black Sabbath, Gibson ESG), Dave Gilmour (Pink Floyd, Guitar), Brian May (Queen, Guitars), Keith Emerson (Emerson, Lake and Palmer, Keyboards), Chris Squire (Yes, Bass), Ritchie Blackmore (Deep Purple, Strato), Alex Lifeson (Rush, strato)


Hoje, eu e o Carlos Gil, até debaixo de àgua...

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quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Não estou pensando em nada



Não estou pensando em nada

E essa coisa central, que é coisa nenhuma,

É-me agradável como o ar da noite,

Fresco em contraste com o verão quente do dia,

Não estou pensando em nada, e que bom!

Pensar em nada

É ter a alma própria e inteira.

Pensar em nada

É viver intimamente

O fluxo e o refluxo da vida...
Não estou pensando em nada.

E como se me tivesse encostado mal.

Uma dor nas costas, ou num lado das costas,

Há um amargo de boca na minha alma:

É que, no fim de contas,

Não estou pensando em nada,

Mas realmente em nada,

Em nada...


Álvaro de Campos



Boomp3.com

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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O escriba acocorado




Sentado na pedra de ti próprio,
não tens rosto, senão o que,
de anónimo, a ela afeiçoou
a mão que assim te quis. Do resto,
do que de individualidade, porventura,

em ti existiria, se encarregou
a persistente erosão dos dias. De vago,
neutro olhar sem órbitas, permaneces
hirto, fitando sempre mais além
da morna penumbra que te envolve

no halo intemporal que é, do tempo,
o nexo único. Nesse olhar
de não ver tudo se inscreve,
repensa e adivinha: teus limites
e, ainda, o que excederia tua humana

estatura. Sem contornos, em sombra
e sono te diluis no que, de ti,
nunca saberemos. Porém, límpida
e escorreita, até nós chega a laboriosa
escrita que no papiro ias lavrando.

Rui Knopfli

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sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Em face dos últimos acontecimentos


Foto Petra Nemcova


Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?


Carlos Drummond de Andrade


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quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Ravel's Bolero



Frank Zappa

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terça-feira, 5 de agosto de 2008

Nunca, por mais


Paquete Príncipe Perfeito, em Durban


Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça
O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea — Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma, Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem — Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração.

Álvaro de Campos

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domingo, 3 de agosto de 2008

Não digas nada!



Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz
Não digas nada.


Fernando Pessoa

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sexta-feira, 1 de agosto de 2008

If Not For You



Bob Dylan & George Harrison

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