Achado sem valor arqueológico
Emergirei primeiro uma ranhurada
secção da calota, nota de brancura
dissonante espreitando no denso
verde da relva. Crianças, que adivinho,
correrão insuspeitamente do horizonte.
E virão aguaceiros em bátegas fortes
e a relva vicejará lustrosa e tenra.
De noite, nas noites sem luar,
amantes furtivos hão-de estender-se
rente a mim. A epiderme macia
da rapariga loira roçar-me-á,
com um arrepio brusco, a insensibilidade
nua da fronte: náusea imperceptível
de pronto esquecida na febre
dos beijos e afagos. Após a estiagem
a erva mirrará abrindo claros.
Fitarei, então, pela primeira vez,
ao fim de tão longa vigília,
com a escura fenda que outrora
foi o meu olho esquerdo, o céu
de um azul impoluto e brunido.
A breve trecho, o ângulo tristonho
da maxila, pequena mancha clara,
prenderá a atenção de um menino
de grandes olhos serenos, que há-de
pousar em mim, sem horror, a mansa
e grave curiosidade de seu olhar sonhador.
Rui Knopfli
Etiquetas: Moçambique, Poesia, Rui Knopfli
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