Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Amor das palavras



Amo todas as palavras, mesmo as mais difíceis

que só vêm no dicionário.

O dicionário ensinou-me mais um atributo

para o sabor de teus lábios.

São doces como sericaia.

Faz-me pensar ainda se a tua beleza não será

comparável à das huris prometidas.

No dicionário aprendi que o meu verso é

por vezes fabordão e sesquipedal.

Nele existe o meu retrato moral (que

não confesso) e o de meus inimigos,

rasteiros como seramelas sepícolas

e intragáveis como hidragogos destinados à comua.

O dicionário, as palavras, irritam muita gente.

Eu gosto das palavras com ternura

e sinto carinho pelo dicionário,

maciço e baixo e pelo seu casaco, azul

desbotado, de modesto erudito.



Rui Knopfli, in "O País dos Outros", 1959

Etiquetas: , ,

terça-feira, 29 de julho de 2008

Still crazy after all these years



I met my old lover
On the street last night
She seemed so glad to see me
I just smiled
And we talked about some old times
And we drank ourselves some beers
Still crazy afler all these years
Oh, still crazy after all these years

Im not the kind of man
Who tends to socialize
I seem to lean on
Old familiar ways
And I aint no fool for love songs
That whisper in my ears
Still crazy afler all these years
Oh, still crazy after all these years

Four in the morning
Crapped out, yawning
Longing my life a--way
Ill never worry
Why should i?
Its all gonna fade

Now I sit by my window
And I watch the cars
I fear Ill do some damage
One fine day
But I would not be convicted
By a jury of my peers
Still crazy after all these years
Oh, still crazy
Still crazy
Still crazy after all these years

Letra e música: Paul Simon

Etiquetas: ,

domingo, 27 de julho de 2008

Livro fechado



Quebrada a vara, fechei o livro

e não será por incúria ou descuido
que algumas páginas se reabram
e os mesmos fantasmas me visitem.
Fechei o livro, Senhor, fechei-o,

mas os mortos e a sua memória,
os vivos e sua presença podem mais
que o álcool de todos os esquecimentos.
Abjurado, recusei-o e cumpro,
na gangrena do corpo que me coube,

em lugar que lhe não compete,
o dia a dia de um destino tolerado.
Na raça de estranhos em que mudei,
é entre estranhos da mesma raça
que, dissimulado e obediente, o sofro.

Aventureiro, ou não, servidor apenas
de qualquer missão remota ao sol poente,
em amanuense me tornei do horizonte
severo e restrito que me não pertence,
lavrador vergado sobre solo alheio

onde não cai, nem vinga, desmobilizada,
a sombra elíptica do guerreiro.
Fechei o livro, calei todas as vozes,
contas de longe cobradas em nada.
Fale, somente, o silêncio que lhes sucede

Rui Knopfli, in "O Corpo de Atena", Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984

Etiquetas: , ,

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Lourenço Marques (CARTA PARA UM AMOR)


Fotos Digital no Índico

Cidade!,
nunca fui mais longe do que
à raia de Espanha.
Creio amar Paris,
conheço Paris dos filmes, a Concórdia
dos postais, a Torre Eiffel divulgada,
Hitler passando sob o Arco do Triunfo.
Amo Paris em Aragon e Eluard,
Paris dos pintores, Paris de Erenburgo.

Amo outras cidades, todas as grandes
cidades.
Madrid dos espanhóis e do coração despedaçado,
Stalinegrado das batalhas, Berlim do triunfo.
Nunca fui às grandes cidades,
amo-as porque os homens mas ensinaram
a amar.
Conheço Lisboa grande e colorida,

longe dos meus sentidos
e Johannesburg do ouro e do pó.
Nunca fui a New York ou São Paulo
do Brasil.
Chicago, Los Angeles, Londres,
Moscou, Rio, não conheço,
não conheço as grandes cidades,
que as há,
do estado de Massachusetts

ou da beira do Nilo.

Cidade!,
amo em retórica discursiva
as outras cidades.

Das viagens que tenho feito,
por rotas tão diferentes,
és sempre a meta, cidade que amo
desde sempre,
– para lá dos poetas, dos pintores,
dos filmes e da retórica discursiva.
Os nossos companheiros tiveram
a coragem de partir,

vivem nas grandes cidades, com história,
do mundo,
eu fui covarde e fiquei.
Experimentei, e não soube, viver longe de ti
noutras cidades.

Sei que este meu amor é a minha mediocridade
também,
a mediocridade de quem não teve asas
para subir mais alto
e orgulho, o orgulho que nada venceu,
nem o ser estranho na própria terra.

É uma ternura que escorre
das tuas tranquilas avenidas de acácias
e jacarandás,
dos claros prédios,
da população colorida,
da mansitude da baía,
do teu ar de provinciana janota.

Cidade, menina fútil
de pouca história,
carros pequenos nas ruas,
velas na baía, patinadores nos ringues,
terra de sete estuários,
de cinemas e cafés buliçosos,

de alegrias e pequenas traições,
leviana, ingénua, snob, bonita,
mulata, branca,
hindu, negra,
de cabelos louros e olhos amendoados,
morena sensual,
terra índica, minha terra,
minha amada inocente, prostituída.


Amo-te cidade da infância,
com girassóis e casa de madeira e zinco

a dormir na neblina da memória.
As quadrilhas de arco, flecha e pistola
de fulminantes,
os esconderijos da barreira,
o sexo e as coxas morenas de Xila,
a Sete de Março da política e dos antigos cafés,
a tristeza verde-negra do Enes,

o paço do senhor bispo
e S. Navio todos os meses.

Quebrou-se esse velho espanto
e nossos companheiros
tiveram a coragem
de partir para outras cidades,
com história, do mundo

(Para eles tua lembrança é
fugitiva mágoa).
Só,
eu fiquei abraçado a este amor anónimo.


Rui Knopfli




"Ó Gente da Minha Terra"


Mariza

Etiquetas: , ,

domingo, 20 de julho de 2008

Nuvens correndo num rio



Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!

Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.

Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?

Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?

Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.


Natália Correia

Etiquetas: ,

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Jazz



Lee Ritenour & Eric Marienthal

Etiquetas: , ,

segunda-feira, 14 de julho de 2008

A hora do cansaço



As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.


Carlos Drummond de Andrade

Etiquetas: , ,

sábado, 12 de julho de 2008

De Nampula...



Carlos Manuel Queiroz




Fe
licidades!

Etiquetas: , ,

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Onomatopeia



Menino franzino,
quase pequenino,
pequenino, triste,
neste mundo só…

Menino, desiste
De que tenham dó!

Desiste, menino,
Que o mundo é cretino…
Deixa o teu violino,
Toca o sol-e-dó.

Cada teu suspiro
Cai ao chão no pó…
Canta o tiro-liro
Tiro-liro-ló.

Deixa o teu violino,
Que não te é destino.
Desiste, menino,
De que tenham dó!

Menino franzino,
Triste e pequenino,
Pequenino e triste,
Neste mundo só…

Menino, desiste!
Toca o sol-e-dó.
Canta o tiro-liro, repipiro-piro,
Canta o repipiro, tiro-liro-ló.


José Régio

Etiquetas: ,

terça-feira, 8 de julho de 2008

My Sweet Lord




Homenagem a George Harrison

domingo, 6 de julho de 2008

Quadrilha



Finalistas do Liceu Almirante Gago Coutinho de Nampula 69-70

João amava Teresa
que amava Raimundo
que amava Maria
que amava Joaquim
que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia.
Joaquim se suicidou
e Lili casou com J.Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Carlos Drummond de Andrade

Hoje, a saudade, e a vontade em rever alguns deles, que são meus amigos, é a razão deste post


Etiquetas: , ,

sábado, 5 de julho de 2008

O lugar da casa



Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.



Eugénio de Andrade, in "O Sal da Língua"

Etiquetas: ,

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Despertar




É um pássaro, é uma rosa, é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou Mar, tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa, canto na ave, água no Mar.


Eugénio de Andrade

Etiquetas: ,