Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Sabia...


Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Eugénio de Andrade

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sábado, 19 de novembro de 2016

Ausência...



Esta pequena hora,
Sem o teu vulto, sem a tua espera,
Foi uma hora triste;
Foi como quando se acorda em Primavera
Já quando a Primavera não existe.

Miguel Torga - Diários

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sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Devem ser...


Miguel Araújo

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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Quando eu nasci!


Quando eu nasci,
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais…
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.


Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.


As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém…


P’ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe…


Sebastião da Gama

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quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A direcção do sangue



Quando se viaja sozinho
pelas imagens que perduram
as evocações ganham um modo tão real
A mancha ténue dos arbustos
indica o caminho para o regresso
que nunca há
o mar ficou de repente perto
sobre esta praia travámos lutas
para as quais só muito depois
encontramos um motivo
era à pedrada que nos defendíamos
do riso mais inocente
ou de um amor
Mas aquilo que nunca esquecemos
deixa de pertencer-nos e nem notamos
Estamos sós com a noite
para salvar um coração


José Tolentino de Mendonça

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quarta-feira, 1 de junho de 2016

... é isso!


Talvez a minha solidão seja excessiva, mas eu detestei sempre as coisas mundanas.
Estar com as pessoas apenas para gastar as horas é-me insuportável.

Eugénio de Andrade

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quinta-feira, 19 de maio de 2016

Quasi



Um pouco mais de sol — eu era brasa.
Um pouco mais de azul — eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d'espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho — ó dor! — quasi vivido...
Quasi o amor, quasi o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim — quasi a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
— Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim... —
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...



...........................................

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...



Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'

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segunda-feira, 9 de maio de 2016

Trovoada...


Mariza

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segunda-feira, 25 de abril de 2016

Sem medo!



Resistência

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segunda-feira, 11 de abril de 2016

Timbre




EU,
Morreu.
Só há ideal
No plural.
Tecidos
Como os fios que há nos linhos,
Parecidos
Entre nós como dois olhos,
Somos do tempo de viver aos molhos
Para morrer sózinhos.

Reinaldo Ferreira, poema autográfico, in "Poemas", Lourenço Marques, Imprensa Nacional de Moçambique, 1960.


(Nota: Este blog completa hoje dez anos de existência)

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quinta-feira, 24 de março de 2016

Receita para fazer um herói


"Receita para fazer um herói"

Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.


Serve-se morto.

Reinaldo Ferreira, poema autográfico.

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sábado, 19 de março de 2016

Aniversário


No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
...
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus! - o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

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terça-feira, 1 de março de 2016

Amigo


Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!


Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,


Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!


Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!


Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.


Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!
 

Alexandre O'Neill, in "No Reino da Dinamarca"

Elvis Presley

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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Tão só... fado!


Duarte

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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Confissões...

 
António Zambujo

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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Memória...


Duarte

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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Há dias assim...



“E foi terrível isto de viver o que há-de vir
entre os que apenas usam o que ainda há.
Era como se tivessem apostado todos
em não me deixarem chegar
ao que eu andava a sonhar.
Enquanto pude fiz-me louco medido,
destes que andam à solta
sem ser preciso encerrá-los.
Encontrei exactamente a medida de escapar à medida deles
e sem estragar a medida de ninguém.”


José de Almada Negreiros, in “As Quatro Manhãs”

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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Pois...

 
Duarte

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sábado, 1 de agosto de 2015

... mas, com um senhor vinho!

 
Duarte

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quarta-feira, 22 de julho de 2015

Cansaço... muito!!


Ana Moura

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Tudo o que faço ou não faço 
Outros fizeram assim 
Daí este meu cansaço 
De sentir que quanto faço 
Não é feito só por mim.
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