" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca
incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se
sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca,
ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e
imunizados. A mínima exposição a determinadas
circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis
recorrências e acabamos por arder na altíssima febre
de uma recidiva sem regresso nem apelo".
Rui Knopfli
sábado, 5 de setembro de 2009
À Menina
Foto Petra Nemcova "Quando te sentires perdida fecha os olhos e sorri. Não tenhas medo da Vida que a Vida vive por si. Tu és como a doce brisa, a verde seara e o solo fecundo que sabem tudo desde o princípio do mundo. Tu és como a água clara, a fofa nuvem e o sol agudo. A tua inocência sabe tudo." MD
Foto Louis Abelard Sonhar ……é preciso. É a base da VIDA. É vaguear por caminhos conhecidos, Com uma meta a atingir. É atrever-se por outros, desconhecidos, Com um alvo a perseguir. É saltar de uma janela e correr……. E, mesmo sem ter um rumo qualquer, Fazer do impossível, o possível, Quando e como quiser. Não é preciso riqueza, Cultura, nem classe social. É só ter a arte de desenhar, De saber tornar real, O tudo e o nada, Num tempo e num lugar.
Tornaste-te Independente. Mas mesmo assim não esqueci O sal que resta nas minhas mãos Como nas praias fica o perfume Quando a maré desce e se retrai.
De mim não falo mais: não quero nada. De Deus não falo: em mim não tem abrigo. De ti não calo: mundo antigo, pois nasces e morres em cada madrugada.
Não teimem, não insistam, não repitam. Deixem-me viver como quem, teimando, insiste, E, porque insiste, Repete o tempo, no silêncio dos tempos, Para que outros não ouçam.
ILHA DE MOÇAMBIQUE, "ILHA DE PRÓSPERO", "ILHA DE CALIBAN"
Ilha Dourada
A fortaleza mergulha no mar os cansados flancos e sonha com impossíveis naves moiras.Tudo mais são ruas prisioneira se casas velhas a mirar o tédio. As gentes calam na voz uma vontade antiga de lágrima se um riquexó de sono desce a Travessa da Amizade. Em pleno dia claro vejo-te adormecer na distância, Ilha de Moçambique, e faço-te estes versos de sal e esquecimento.
Rui Knopfli
Ilha de Moçambique
Não é a pedra. O que me fascina é o que a pedra diz.
A voz cristalizada, o segredo da rocha rumo ao pó.
E escutar a multidão
de empedernidos seres que a meu pé se vão afeiçoando.
A pedra grávida a pedra solteira, a que canta, na solidão, o destino de ser ilha. O poeta quer escrever a voz na pedra.
Mas a vida de suas mãos migra e levanta voo na palavra.
"Se um dia o sonho se cumprir, Compro uma Ilha. Não muito longe do litoral, Nem muito perto. Ficará no justo ponto de latitude e longitude, Onde protegida de ventos, sereias e pestes, Não me afaste muito dos Humanos. Quero ter a arte do bem viver, Uma fuga relativa, E não uma estouvada confraternização. E só de imaginar já me considero sua habitante. Gostava que tivesse uma ponte Que não tivesse de desdizer"
" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca
incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se
sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca,
ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e
imunizados. A mínima exposição a determinadas
circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis
recorrências e acabamos por arder na altíssima febre
de uma recidiva sem regresso nem apelo".
Rui Knopfli