Um Voo Cego A Nada...
" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
quinta-feira, 9 de novembro de 2023
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022
quinta-feira, 21 de outubro de 2021
... 6 anos
Etiquetas: Poesia, Sebastião da Gama
sexta-feira, 15 de outubro de 2021
quinta-feira, 26 de agosto de 2021
quinta-feira, 29 de julho de 2021
sábado, 17 de julho de 2021
O Corvo
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.
É só isso e nada mais.»
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais».
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.
Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
«É o vento, e nada mais.»
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»
Disse-me o corvo, «Nunca mais».
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome «Nunca mais».
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais».
Disse o corvo, «Nunca mais».
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este «Nunca mais».
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele «Nunca mais».
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».
«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».
«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
Edgar Allan Poe, tradução de Fernando Pessoa
Etiquetas: Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa, Poesia
domingo, 25 de abril de 2021
domingo, 11 de abril de 2021
Aniversário...
«O fim dos dias é não fazer nada. A inércia contemplativa é preferível a tudo. Viva o subterrâneo! Conquanto eu inveje o homem normal, até à última gota da minha bílis, quando o vejo tal como é, renuncio a ele (embora não deixe de o invejar). Não! Não! O subterrâneo vale mais! Lá, ao menos, pode-se… cá estou eu a mentir outra vez! E minto porque sei, tão claramente como «dois e dois são quatro», que não é o subterrâneo que vale mais, mas qualquer outra coisa a que aspiro, sem conseguir descobrir. Vá para o inferno o subterrâneo! Se eu pudesse ao menos acreditar numa única palavra das que estou escrevendo! Juro que não creio em nada, nada do que estou afirmando. Ou antes, talvez acredite um bocadinho, mas sinto no entanto que minto como um dentista. - Mas então para que é que escreveste isto tudo? Perguntam vocês. Gostava de saber o que me diziam se eu os fosse visitar ao subterrâneo onde tinham passado quarenta anos… pode-se lá deixar um homem sozinho e sem fazer nada!»
Etiquetas: Dostoievsky
segunda-feira, 9 de novembro de 2020
sábado, 25 de abril de 2020
quinta-feira, 15 de agosto de 2019
terça-feira, 11 de abril de 2017
sábado, 1 de abril de 2017
sábado, 11 de março de 2017
Oh, Pretty Woman
Roy Orbison
Pretty woman, walking down the street
Pretty woman, the kind I'd like to meet
Pretty woman, I don't believe you
You're not the truth
No one could look as good as you
Mercy
Pretty woman, won't you pardon me
Pretty woman, I couldn't help but see
Pretty woman, that you look lovely as can be
Are you lonely just like me
Grrrrrrowl
Pretty woman, stop awhile
Pretty woman, talk awhile
Pretty woman, give your smile to me
Pretty woman, yeah, yeah, yeah
Pretty woman, look my way
Pretty woman, say you'll stay with me
Cause I need you, I'll treat you right
Come with me baby, be mine tonight
Pretty woman, don't walk on by
Pretty woman, don't make me cry
Pretty woman, don't walk away
Hey, okay
If that's the way it must be, okay
I guess I'll go on home, it's late
There'll be tomorrow night, but wait
What do I see
Is she walking back to me
Yeah, she's walking back to me
Oh, oh, pretty woman
Etiquetas: Música, Roy Orbison
terça-feira, 28 de fevereiro de 2017
O Bêbado e a Equilibrista
Elis Regina
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua, tal qual a dona do bordel,
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens, lá no mata-borrão do céu,
Chupavam manchas torturadas, que sufoco!
Louco, o bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil pra noite do Brasil.
Meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu num rabo de foguete.
Chora a nossa pátria mãe gentil,
Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil.
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente, a esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se machucar
Azar, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar...
Etiquetas: Brasil, Elis Regina, Música
quinta-feira, 12 de janeiro de 2017
sexta-feira, 2 de dezembro de 2016
sábado, 19 de novembro de 2016
Ausência...
Esta pequena hora,
Sem o teu vulto, sem a tua espera,
Foi uma hora triste;
Foi como quando se acorda em Primavera
Já quando a Primavera não existe.
Miguel Torga - Diários
Etiquetas: Miguel Torga, Poesia, Portugal
quarta-feira, 9 de novembro de 2016
Círculo
Sílvia Pérez Cruz
Eduardo White
Etiquetas: Eduardo White, Música, Sílvia Pérez Cruz
sexta-feira, 4 de novembro de 2016
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
Quando eu nasci!
Quando eu nasci,
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais…
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém…
P’ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe…
Sebastião da Gama
Etiquetas: Poesia, Portugal, Sebastião da Gama
terça-feira, 18 de outubro de 2016
terça-feira, 11 de outubro de 2016
terça-feira, 27 de setembro de 2016
sábado, 17 de setembro de 2016
quinta-feira, 15 de setembro de 2016
Cansaço...
Ana Vidovic
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça
O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido,
Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une,
A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea —
Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma,
Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem —
Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração.
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)
Etiquetas: Ana Vidovic, Fernando Pessoa, Música, Poesia
terça-feira, 13 de setembro de 2016
quarta-feira, 7 de setembro de 2016
A direcção do sangue
pelas imagens que perduram
as evocações ganham um modo tão real
A mancha ténue dos arbustos
indica o caminho para o regresso
que nunca há
o mar ficou de repente perto
sobre esta praia travámos lutas
para as quais só muito depois
encontramos um motivo
era à pedrada que nos defendíamos
do riso mais inocente
ou de um amor
Mas aquilo que nunca esquecemos
deixa de pertencer-nos e nem notamos
Estamos sós com a noite
para salvar um coração
José Tolentino de Mendonça
Etiquetas: José Tolentino de Mendonça, Poesia, Portugal