Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Time In A Bottle



If I could save time in a bottle
The first thing that Id like to do
Is to save every day
Till eternity passes away
Just to spend them with you

If I could make days last forever
If words could make wishes come true
Id save every day like a treasure and then,
Again, I would spend them with you

But there never seems to be enough time
To do the things you want to do
Once you find them
Ive looked around enough to know
That youre the one I want to go
Through time with

If I had a box just for wishes
And dreams that had never come true
The box would be empty
Except for the memory
Of how they were answered by you

But there never seems to be enough time
To do the things you want to do
Once you find them
Ive looked around enough to know
That youre the one I want to go
Through time with

Jim Croce

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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Segundo canto para a renovação do Natal



A Noémia de Sousa


Tudo foi emprestado e alheio
Para que Deus nascesse conforme as Escrituras:
A gruta, que os presépios embelezam,
- Ou talvez um estábulo?
- Ou talvez o ventre autêntico da mãe?
A burra e a vaca,
José, que era o pai cómodo,
E a mãe, que era o empréstimo supremo,
O recurso, a verdade
E a necessidade
Para que Deus nascesse entre os homens,
Mais do que Deus,
Um Homem.
Havia os magos com presentes deslocados,
O astro dos sinais,
A voz, o anjo, os pastores e a frase
Que nos presépios fabricados
Fala da paz, dos homens e da boa-vontade.
Havia a noite e nós,
Filhos de pai e mãe,
Nascidos antes e depois à espera de que Deus viesse,
Fruto d'A que não teve marido neste mundo
Para que o filho deslizasse sem pecado.
E havia Herodes,
Para que não fosse fácil
O que era inevitável.
E houvesse drama.
Ora bem.
Entre a burra e a vaca,
Dentro do hálito tépido das bestas,
Sobre as palhas
E ao nível das tetas,
O menino jazia
Nascido,
Que é como quem diz cumprido
Da promessa que havia.
José,
Os magos e os pastores
Tinham a sua fé;
A estrela tinha o seu ofício de ser estrela;
A noite e as bestas tinham a sua inconsciência,
Que é tudo,
Porque tudo e nada são a mesma coisa;
O Menino tinha o mistério de ser menino
E já Deus;
Ela, Ela tinha a miséria de ser mãe
E só mãe.
Ela é o Natal.
Ora bem.
Não falemos de Herodes, nem dos magos, nem dos pastores,
Nem sequer de José,
Do amável, do amoroso José
Que nos enternece
E discreto desaparece
Pela esquerda baixa
Do primeiro quadro da tragédia
De que somos o coro
- E também a tragédia.
Mas falemos d'Ele,
Que Ele é Ele,
Mesmo quando se faz pequenino
Para ter o nosso tamanho.
Não falemos da noite,
Que é um pouco mais que tudo isso,
- E menos do que a mãe,
De quem falemos.
Ora bem.
Ela ali estava para ser pintada.
Para ser pintada na vista do conjunto
Que é o Natal,
Comparsa dos presépios que hão-de vir,
Entre arraiais e foguetes
E estrelas de papel.
Ela ali estava para ser pintada
Na fuga para o Egipto,
Ao trote gracioso do burrito,
Sem vaca, só com José e o deserto e as escrituras,
Que mandam mais que Herodes
E todos os seus bigodes.
Ela ali estava para ser pintada.
Para ser pintada – pouco e bem –
Sem o burrito, só com Sant'Ana e S. José
No breve engano de ser só mãe
Dum filho que fosse só filho.
Ela ali estava para ser pintada
No alarme de Jesus entre os doutores.
Ela ali estava p'ra não ser pintada
Depois que Jesus fez trinta,
Antes dos trinta e três
(Disseram trinta doutores:
- Diga trinta e três.
Ele disse.
Ele disse e morreu
Sem sofrer dos pulmões).
Ela ali estava para ser pintada
E no zénite de Jesus ser Jesus,
Depois dos trinta,
Quando Jesus
Fez
Trinta e três,
Ela ressuscitou pintura ao pé da cruz.
Ora bem.
A cruz que Ele trazia,
Mal lhe pesava.
Ele esperava.
Ele salvava.
Ele descia
E por isso subia.
Ela era mulher, era mãe – e Sabia.
A sua cruz
Era Jesus.
O seu inferno
Era ser mãe do Eterno
Que havia de sangrar
E morrer
Pelo caminho.
Por isso é que Ela mal se vê no palheiro,
Que é como quem diz, no estábulo.
Não é a estrela que A deslustra
(O Universo e todos os seus astros
Não valem o que Ela é);
Não são os magos que A repelem
Para o canto, de não ser rainha,
Porque Ela o é dos reinos que eles buscavam;
Não é José que A excede, porque José é José,
E isso lhe basta sem ser bastante;
Não é o Filho que A tolda,
Porque Ela é a Mãe.
Ora bem.
É ser a Mãe.
É ver que o Seu menino
Não é apenas menino,
Mas a dose anunciada
De Homem e Deus;
A ponte que tem de ser pisada
Para que haja estrada
Para os céus;
É o ser-lhe filho e ser-lhe pai,
O filho que Ela estremece
Vivo e já morto,
Porque o Pai quer e Ela obedece.
Irmãos em Cristo!
Irmãos do mesmo pai,
Quem quer que seja o Cristo
Que buscais.
Esta é a Sua hora!
A Sua – e a nossa.
Ela é o Natal.
Avé-Maria.
Ora bem.


Reinaldo Ferreira “Poemas” Livro III - Poemas de Natal e da Paixão de Cristo

(Para todos um Feliz Natal)

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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Como encarar a morte


Ilha de Moçambique

De longe



Quatro bem-te-vis levam nos bicos

o batel de ouro e lápis-lazúli,

e pousando-o sobre uma acácia

cantam o canto costumeiro.



O barco lá fica banhado

de brisa aveludada, açúcar,

e os bem-te-vis, já esquecidos

de perpassar, dormem no espaço.



À meia distância



Claridade infusa na sombra,

treva implícita na claridade?

Quem ousa dizer o que viu,

se não viu a não ser em sonho?



Mas insones tornamos a vê-lo

e um vago arrepio vara

a mais íntima pele do homem.

A superfície jaz tranquila.



De lado


Sente-se já, não a figura,

passos na areia, pés incertos,

avançando e deixando ver

um certo cógifo de sandálias.



Salvo rosto ou contorno explícito,

como saber que nos procura

o viajante sem identidade?

Algum ponto em nós se recusa.



De dentro



Agora não se esconde mais.

Apresenta-se, corpo inteiro,

se merece nome de corpo

o gás de um estado indefinível.



Seu interior mostra-se aberto.

Promete riquezas, prêmios,

mas eis que falta curiosidade,

e todo ferrão de desejo.



Sem vista



Singular, sentir não sentindo

ou sentimento inexpresso

de si mesmo, em vaso coberto

de resina e lótus e sons.



Nem viajar nem estar quedo

em lugar algum do mundo, só

o não saber que afinal se sabe

e, mais sabido, mais se ignora.




Carlos Drummond de Andrade

(À minha Avó)

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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Respiro o teu corpo


Foto Petra Nemcova

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,

sabe a cal molhada,

sabe a luz mordida,

sabe a brisa nua,

ao sangue dos rios,

sabe a rosa louca,

ao cair da noite

sabe a pedra amarga,

sabe à minha boca.


Eugénio de Andrade

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domingo, 21 de dezembro de 2008

Stand By Me



"Playing For Change: Peace Through Music"

Para os meus "compagnons de route", eles sabem quem são...

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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A palavra



Já não quero dicionários

consultados em vão.

Quero só a palavra

que nunca estará neles

nem se pode inventar.

Que resumiria o mundo

e o substituiria.

Mais sol do que o sol,

dentro da qual vivêssemos

todos em comunhão,

mudos,

saboreando-a.



Carlos Drummond de Andrade

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domingo, 14 de dezembro de 2008

Ultimatum Futurista




Às gerações portuguesas do SécXXI


Acabemos com este maelstrom de chá morno!
Mandem descascar batatas simbólicas a quem disser que não há tempo para a criação!

Transformem em bonecos de palha todos os pessimistas e desiludidos!
Despejem caixotes de lixo à porta dos que sofrem da impotência de criar!
Rejeitem o sentimento de insuficiência da nossa época!
Cultivem o amor do perigo, o hábito da energia e da ousadia!
Virem contra a parede todos os alcoviteiros e invejosos do dinamismo!
Declarem guerra aos rotineiros e aos cultores do hipnotismo!
Livrem-se da choldra provinciana e da safardanagem intelectual!
Defendam a fé da profissão contra atmosferas de tédio ou qualquer resignação!
Façam com que educar não signifique burocratizar!
Sujeitem a operação cirúrgica todos os reumatismos espirituais!
Mandem para a sucata todas as ideias e opiniões fixas!
Mostrem que a geração portuguesa do século XXI dispõe de toda a força criadora e construtiva!
Atirem-se independentes prá sublime brutalidade da vida!
Dispensem todas as teorias passadistas!
Criem o espírito de aventura e matem todos os sentimentos passivos!
Desencadeiem uma guerra sem tréguas contra todos os “botas de elástico”!
Coloquem as vossas vidas sob a influência de astros divertidos!
Desafiem e desrespeitem todos os astros sérios deste mundo!
Incendeiem os vossos cérebros com um projecto futurista!
Criem a vossa experiência e sereis os maiores!
Morram todos os derrotismos! Morram! PIM!



José de Almada Negreiros
Poeta

FUTURISTA
E
TUDO


Nota: Este ultimatum deve ser lido pelo menos duas vezes prós muito inteligentes e d'aqui pra baixo é sempre a dobrar.

Lisboa, 17 de Dezembro de 1917

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sábado, 13 de dezembro de 2008

Feliz Natal...(Salvem os ricos, ajudem os milionários!)‏


Chegou a crise
Não há razão para temer
É que nesta crise
O Teixeira dos Santos vai-nos proteger

Mas neste Mundo injusto
O dinheiro está garantido
Para o pobre, o remediado
E o sem-abrigo

Mas pensa naqueles,
Os multimilionários
Ficaram sem bancos
E sem chorudos salários

E sem direito a indemnizações
Têm de pedir o aval
À sopa dos pobres dos ricos
O Banco de Portugal

O desespero tomou conta
De toda a Quinta da Marinha
Em vez de lavagante
Comem lambujinha

E vão ter de abandonar
O Conselho de Estado
O quadro do Miró
Foi penhorado

Porque esse Portugal
Já não é neo-liberal
Saberão que estamos no Natal!

O suprime limpou-lhes muitos milhões
A polícia trata-os como aldrabões
Saberão que estamos no Natal!

Salvem os ricos
Salvem os ricos
Salvem os ricos
Ajudem os milionários

Salvem os ricos
Ajudem os milionários



"Os Contemporâneos"