Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Me And Bobby Mcgee - The Highwaymen



Um balão grande para o Chuínga por estar de volta..., é que faz falta a "diferença"...

domingo, 25 de novembro de 2007

Travessia




Distância materna prescrevendo enganos!

Como atravessar o rio, para além,

Enquanto não fenece a voz da ponte?


Arcos de ferro, arcos de pedra

erguem-se e passam

de monte a monte…

- maternal distância!


Como atravessar, não levantando a fronte?

E como não baixá-la, desdizendo a ponte?


Jorge de Sena, “Poesia-I”, Livraria Moraes Editores, Lisboa, 1961




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segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Aniversário

Praia

Catembe, 9 de Junho de 1955


No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.


No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.


Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus! - o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!


O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!


Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...


Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


(A meu Pai)

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

What have they done to my song, Ma?




What have they done to my song, Ma?

Look what they done to my song, Ma
Look what they done to my song
Well it's the only thing that I could do half right
And it's turning out all wrong, Ma
Look what they done to my song

Look what they done to my brain, Ma
Look what they done to my brain
Well they picked it like a chicken bone
And I think I'm half insane, Ma
Look what they done to my song

I wish I could find a good book, to live in
Wish I could find a good book
Well if I could find a real good book
I'd never have to come out and look at
What they done to my song

La da da da da da da da
La da da da da da da da

La da da la da da, la da da da da da
Look what they done to my song

But maybe it'll all be alright, Ma
Maybe it'll all be okay
Well if the people are buying tears
I'll be rich someday, Ma
Look what they done to my song

Ils ont change ma chanson, Ma
Ils ont change ma chanson
C'est la seule chose que je peux faire
Et ce n'est pas bon, Ma
Ils ont change ma chanson

Look what they done to my song, ma
Look what they done to my song. Ma
Well they tied it up in a plastic bag
And turned it upside down
Look what they done do my song

Ils ont change ma chanson, Ma
Ils ont change ma chanson
C'est la seule chose que je peux faire
Et ce n'est pas bon, Ma
Ils ont change ma chanson

Look what they done to my song, ma
Look what they done to my song
It's the only thing I could do alright
and they turned it upside down oh Ma
Look what they done to my song.

Words and Music by Melanie Safka

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Advertência



Podendo, de bom grado se teria passado sem tanta mitologia.
Mas estamos convencidos que o mito é uma linguagem, um meio de expressão – quero dizer, não uma coisa arbitrária mas antes um viveiro de símbolos a que pertence, tal como a todas as linguagens, uma particular substância de significado que mais nada poderia dar. Quando repetimos um nome próprio, um gesto, um prodígio mítico, exprimimos em meia linha, em poucas sílabas, um facto sintético e compreensivo, um miolo de realidade que vivifica e alimenta todo um organismo de paixão, de estado humano, todo um conjunto conceptual. Se depois este nome, este gesto nos for familiar desde a infância, desde a escola – tanto melhor. A inquietude é mais verdadeira e cortante quando agita uma matéria costumeira. Aqui contentámo-nos em servir-nos de mitos helénicos dada a perdoável voga popular destes mitos, dada a sua imediata e tradicional aceitabilidade. Temos o horror de tudo o que é incomposto, heteróclito, acidental, e tentamos – até materialmente – delimitar-nos, impor-nos a nós próprios uma moldura, insistir numa concluída presença. Estamos convencidos de que uma grande revelação só poderá sair da teimosa insistência numa mesma dificuldade. Não temos nada em comum com os viajantes, com os experimentadores nem com os aventureiros. Sabemos que o modo mais seguro – e mais rápido – de nos espantarmos é fixarmos impávidos o mesmo objecto. Num belo momento, este objecto parecer-nos-á – miraculoso – que nunca o tínhamos visto.

Cesare Pavese, In ”Ofício de Viver”, diário de Pavese, onde este texto é indicado entre parêntesis como Prefácio aos Diálogos (“Diálogos com Leucó”), tendo aí sido publicado como advertência

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sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Teresinha

 
O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse não

O segundo me chegou
Como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta
Me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada
Que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse não

O terceiro me chegou
Como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada
Também nada perguntou
Mal sei como ele se chama
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração

Chico Buarque

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quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Rosita, até morrer

macua

Chiguidela, 17 de Abril de 1961

Manuel do meu coração:

Antão como está? Eu está boa brigado com minha mãe que manda os cumprimento, está com doença das costa dela que dói de noite com os sufrimento de idade vançado. Tua filha também manda os cumprimento, está brincar, está crenscer, está pruguntar todos dia onde está papá, onde está papá, depois chora, não quer brincar. Um dia ela é grande mas não vai no escole, pai dela não liga, não screveu nome dela no dimistração, mês Deus que sabe. Sorita com Matilida com as outra manda os cumprimento também, elas está boa obrigado. Elas faz pôco, eu sabe é assim quando mulher tem disgraça, sai uma filha e homam não faz lobolo. Eu não diz nada, Deus que sabe. Eu encontrou Mamana Rita no bazara, ela veio por causa os curandeiro está tratar ela, ela diz mulher que vocé fugiste com ela largou vocé, um infirmero drabou ela, agora tu está sofrer, não trabalha, não come nem nada, não tem ninguém. Eu não esquence: tu drabou, dromiu com mi, eu era menina, vocé encontraste, deixou eu com prenha, fugiste com outra mulher. Eu não esquence mas eu já nem zanga nem nada, minha mãe diz é assim, os homem é maluco. Eu não foi no escole, não tem o estude nem nada, escrever meu nome foi vocé que ensinaste. Só sabe fazer machamba, fazer comida para vocé, lavar teu ropa, gostar vocé. Tratar tua filha também. Mulher çimilado quema os cabelo, veste çapato com vestida bonita, com português que fala tu não guenta drabar ela. Ela que draba vocé. Deixa vocé chorar: O minha mãe, eu mata-lhe, eu mata-lhe! Eu diz: não mata-lhe. Vocé drabaste a mi ela drabou você: você que começaste. Aqui em casa cabrito não pariu cinco nem pariu um com dois cabeça. Não tem fiticero. Nem inveja as pessoa tem com mi não faz nada. Veio chuva. Eu fez machamba grande de mulho com fijão com mandoinha, com mapila. Chegou um dia eu acordou contente, vendeu uma saca mandoinha, comprou vestida bonita com taralatana com çapato incarnado com chapéu para tua filha! Ermelinda que é nome dela mas eu costumou chamar ela Linda, às vezes Nyeleti, tu gosta? Quando tu quer tu vem escançar, só escançar, conhecer tua filha comer os ovo com galinha, com cabrito quando vocé guenta, beber ucanhi nas família da terra, tomar banho no rio, dançar xingombela no casa de N’Dlamini, mais nada. Quer? Vocé vai pruguntar as pessoa que anda aqui a falar assim: O! Manuel tem esta nossa pele mas agora é branco, comprou ser branco nos papel, esquenceu os vovô dele que morreu, esquenceu filha dele que nasceu, esquenceu terra, esquenceu tudo. Eu diz é mentira, Manuel não pode esquencer. As pessoa ri, as pessoa diz eu não sabe, as pessoa diz cada vez eu é polícia também. Vocé é? O, vem dizer mesmo! Depois vocé vai tembora quando não gosta ficar aqui fazer machamba, ensinar as pessoa no escole de noite que voces tinha na casa de Mussá. Vocé vai, eu não vai agarar vocé, só vai chorar mesmo. Quando vocé vai eu dá vocé saca mandoinha que vocé guenta levar no machibomba, pode ser 4, fica muito ainda, eu é pobre mas tem mãos bom para trabalhar também para dar. Vocé vais vender os saca, comer dinheiro sòzinho. Quando vocé quer vir vocé escreve carta, dá chofer de machibomba de Olivera para entregar no cantina do Mohano. Vocé diz eu vai chegar dia assim assim. Eu manda carroça com os meudo esperar vocé. Minha boca não gosta falar cosa que meu coração está dizer, mas minha cabela fica maluco quando minha boca não diz: eu gosta muito vocé. As vez eu pensa vocé foste nos curandero ranjar remeido para eu gostar vocé. Tu faz eu sofrer, eu chora, eu zanga, eu esquence, eu gosta vocé outra vez muito! Tu que não presta: tu gosta mulher çimilado que draba vocé. Sou eu Rosa de teu coração que manda esta carta para teu coração. Chico Mandlate está escrever carta também manda os cumprimento. Chico não vai dizer ninguém coisa que escreveu para vocé.

Rosita,
Até morrer

Luís Bernardo Honwana