Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

domingo, 30 de novembro de 2008

No meio do caminho



No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.


Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade

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sábado, 29 de novembro de 2008

Saturday In The Park


Chicago

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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Mother


Roger Waters & Sinead O'Connor

Esta, tem como destinatários, o Rui, Tiago, Maria , MD, IO, Gil e para mim, que hoje não me canso de a ouvir...

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domingo, 23 de novembro de 2008

I Got A Name




Like the pine trees linin the windin road
I've got a name, I've got a name
Like the singin bird and the croakin toad
I've got a name, I've got a name
And I carry it with me like my daddy did
But Im livin the dream that he kept hid
Movin me down the highway
Rollin me down the highway
Movin ahead so life wont pass me by


Like the north wind whistlin down the sky
I've got a song, I've got a song
Like the whippoorwill and the babys cry
I've got a song, I've got a song
And I carry it with me and I sing it loud
If it gets me nowhere, Ill go there proud
Movin me down the highway
Rollin me down the highway
Movin ahead so life wont pass me by


And Im gonna go there free
Like the fool I am and I'll always be
Ive got a dream, I've got a dream
They can change their minds but they can't change me


I've got a dream, I've got a dream
Oh, I know I could share it if you want me to
If you're going my way, I'll go with you
Movin me down the highway


Jim Croce

(Ao Tiago)

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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Amigo



Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O’Neill

(à memória de um Amigo, partiu hoje.)

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Aniversário


Catembe, 9 de Junho de 1955

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.


No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.


Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus! - o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!


O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!


Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...


Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


(A meu Pai)

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sábado, 15 de novembro de 2008

Nampula na Beira...

Finalistas 69/70 do Liceu Almirante Gago Coutinho de Nampula



No Farol do Macúti


Após uma visita de "estudo" nocturna ao "Moulin Rouge" e "Primavera"


Chegada à Gorongosa (esperando o batelão)


Gorongosa



Gorongosa



Beira


Partida para Nampula


"With a little help from my friends"


Joe Cocker "Woodstock '69"

Adenda:
Uma sugestão apropriada, feita por um "anónimo", com o rabo de fora...

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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A Máquina do Mundo



E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.


Carlos Drummond de Andrade



e daqui..., não vem mais nada, infelizmente!

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sábado, 8 de novembro de 2008

O Baile... 39 anos depois



É ver .....
Meninas e Meninos bonitos,
Trocar os vestidos e calções de chita,
Por vestes encantadas de baile,
Enfeitadas com as cores dos sonhos.
Os seus olhinhos sorrindo
Porque os versos do coração
São de poesia inocente.

Foi num grande salão.
Para Todos,
O mesmo salão,
A mesma musica,
Cada um dançando
Na mesma direcção
E Numa direcção diferente.

MD





Devagar, devagarinho,
Subo as escadas do palco.
Com jeitinho,
Afasto docemente as cortinas.
Os meus olhos buscam cenas de tempos vividos.
Os anos passaram …..
As lembranças são eternas.
Os anos passaram……
Saudades! Sim…. Talvez…. e porque não?
Se os meus sonhos foram tão altos
Que ficaram escritos com letras de ouro!
Esquecer? Porquê?.....
Se a vida é um grande baile….
Onde as almas se encontram, se esbarram,
Se unem, se separam
Cada qual bailando nos conflitos,
Nas esperanças…..
Nas suavidades de todos os anos que se foram!
Hoje, além de sorrir,
Apetece-me rodopiar convosco
Até ao luar de uma outra noite,
Que mais uma vez se guardará,
Como coisa, que em lembrança se recorrerá
Um dia mais tarde…….
Quando os anos voltarem a passar.
Na partilha e no sonho
Não há porta nem freio,
Não há início nem fim,
Escrito em letras de ouro, só meio.
Apetece-me dizer obrigado.
Apetece-me agradecer a Todos
Amigos e Colegas
Por um imperativo simplesmente gostável.


MD




A 8 de Novembro de 1969 realizou-se, no Clube do Niassa, o Baile de Finalistas 69/70 do Liceu Almirante Gago Coutinho de Nampula.

As aulas começaram como era hábito em Setembro, mas no final do 6º ano já estavam alinhavadas as primeiras ideias,"aulas" começadas, mãos à obra, corrida ao comércio local para os inevitáveis apoios, torneios desportivos, gincanas automóvel, tardes dançantes e imagine-se, fechar parte da cidade para a realização de um circuito de motos 50cc, com corredores e respectivas motas(Honda, Susuky e Florett de competição) a viajarem desde Lourenço Marques.

Raparigas e rapazes entre os 16 e os 19 anos, chave do Liceu na mão, em completa liberdade de movimentos e sobretudo de ideias, a gerir tempo, dinheiro, burocracia e os nossos próprios conflitos.

Objectivos: um baile "comme il faut", e a nossa "viagem de estudo" ( à Gorongosa e ao "Moulin Rouge" e "Primavera", na Beira, claro…)

Brilhante, o Manuel José Sargento ("Director Financeiro"), que fez render mais de uma centena de contos (à época), até às provas orais em Junho de 1970 (o último jantar).

Ninguém o tinha feito até aí, os sorrisos eram muitos, mas conseguimos!

Ficámos a dever isso ao apoio do "nosso" Reitor, Dr. José Miguel Morgado e da "nossa" professora de Filosofia, Dr.ª Fernanda Teixeira e sobretudo a nós próprios.

A decoração do Clube do Niassa por nossa conta, os ensaios para a valsa, as trocas de olhares, os primeiros namoricos, o Hélder Sabino sempre em cima de acontecimento que envolvesse o sexo oposto, o Marques Pinto feito mestre de "haute couture", o Luís Martins sempre na lua, o Fernando Jorge "ideologicamente" desconfiado da coisa, o Daniel sempre de pedra e cal com os seus amigos, o Jamú com o seu ar "blasée", Esteves, Roncon, João Guimarães, a Marilina, Minita, Paula Mendonça, Nelinha Alves, Diana, Isabel Sobral, Manuela Neves, Marília, Lourdes, Teresa Machado, Fernanda Neves, Lena Rocha, Luísa, a darem o melhor.

Ah! O Luís Magalhães a querer dirigir a banda, o que nunca conseguiu.

Tínhamos "adoptado", porque mais novo, e nos acompanhava para todo o lado (até nas ceias de creme de marisco , sorvete e scotch), isto de trabalhar muito, dá fome e sede..., um "finalista honorário", chama-se Carlos Manuel Queiroz, e toda a gente o conhece!

A festa foi de arromba e nunca vista na cidade, elas, lindas nos seus vestidos compridos, com os seus penteados e provavelmente, a primeira maquilhagem. Irreconhecíveis, não eram as mesmas de todos os dias!

Nós, esticadinhos no primeiro e talvez último "smoking", a fazer as honras da casa, também não destoávamos.

Foram democraticamente eleitos, o “Rei” e a “Rainha” dos finalistas, ela, a Paula Mendonça, ele, o Jamú Hassan!

Fizemos vir de Lourenço Marques, através do Luís Arriaga da "Onda Pop" o melhor conjunto do momento, os "Inflexos", de Nampula, actuaram os "Animais" do Jorge Cortez.

Duas bandas de gabarito para actuar em non-stop no baile e tarde dançante do dia seguinte.

Os "Inflexos" trouxeram da capital, luzes, estroboscópios, órgão Hammond, toda uma parafernália nunca vista, e, entre outras, duas músicas que tocaram vezes sem conta nessa noite e tarde seguinte.

A que mais sentimos, está aí, chama-se "Man Of The World", e é um original dos Fleetwood Mac





Fleetwood Mac

Adenda:
repubicação de um "post " com pequenas modificações.

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quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Fundo do mar



No fundo do mar há brancos pavores,

Onde as plantas são animais

E os animais são flores.


Mundo silencioso que não atinge

A agitação das ondas.

Abrem-se rindo conchas redondas,

Baloiça o cavalo-marinho.

Um polvo avança

No desalinho
Dos seus mil braços,

Uma flor dança,

Sem ruído vibram os espaços.


Sobre a areia o tempo poisa

Leve como um lenço.


Mas por mais bela que seja cada coisa

Tem um monstro em si suspenso.



Sophia de Mello Breyner Andresen
, in "Antologia – Mar"

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domingo, 2 de novembro de 2008

Que estranha, a nossa verdade



Que estranha, a nossa verdade!
Às vezes, partida a meio,
Minha ilusória unidade,
Pensando, sinto, pensei-o.


Mas quando penso o que penso
Estou-o pensando também.
Na vertigem, não me venço
E recuo e vou além


Daquilo p'ra que há defesa.
Feliz quem pode parar
Onde a certeza é certeza
E pensar é só pensar!



Reinaldo Ferreira, in "Poemas", Livro I - Um voo cego a nada, Lourenço Marques, Imprensa Nacional de Moçambique, 1960


Boomp3.com

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