" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca
incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se
sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca,
ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e
imunizados. A mínima exposição a determinadas
circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis
recorrências e acabamos por arder na altíssima febre
de uma recidiva sem regresso nem apelo".
Rui Knopfli
I met my old lover On the street last night She seemed so glad to see me I just smiled And we talked about some old times And we drank ourselves some beers Still crazy afler all these years Oh, still crazy after all these years
Im not the kind of man Who tends to socialize I seem to lean on Old familiar ways And I aint no fool for love songs That whisper in my ears Still crazy afler all these years Oh, still crazy after all these years
Four in the morning Crapped out, yawning Longing my life a--way Ill never worry Why should i? Its all gonna fade
Now I sit by my window And I watch the cars I fear Ill do some damage One fine day But I would not be convicted By a jury of my peers Still crazy after all these years Oh, still crazy Still crazy Still crazy after all these years
Quebrada a vara, fechei o livro e não será por incúria ou descuido que algumas páginas se reabram e os mesmos fantasmas me visitem. Fechei o livro, Senhor, fechei-o,
mas os mortos e a sua memória, os vivos e sua presença podem mais que o álcool de todos os esquecimentos. Abjurado, recusei-o e cumpro, na gangrena do corpo que me coube,
em lugar que lhe não compete, o dia a dia de um destino tolerado. Na raça de estranhos em que mudei, é entre estranhos da mesma raça que, dissimulado e obediente, o sofro.
Aventureiro, ou não, servidor apenas de qualquer missão remota ao sol poente, em amanuense me tornei do horizonte severo e restrito que me não pertence, lavrador vergado sobre solo alheio
onde não cai, nem vinga, desmobilizada, a sombra elíptica do guerreiro. Fechei o livro, calei todas as vozes, contas de longe cobradas em nada. Fale, somente, o silêncio que lhes sucede
Rui Knopfli, in "O Corpo de Atena", Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984
Cidade!, nunca fui mais longe do que à raia de Espanha. Creio amar Paris, conheço Paris dos filmes, a Concórdia dos postais, a Torre Eiffel divulgada, Hitler passando sob o Arco do Triunfo. Amo Paris em Aragon e Eluard, Paris dos pintores, Paris de Erenburgo. Amo outras cidades, todas as grandes cidades. Madrid dos espanhóis e do coração despedaçado, Stalinegrado das batalhas, Berlim do triunfo. Nunca fui às grandes cidades, amo-as porque os homens mas ensinaram a amar. Conheço Lisboa grande e colorida, longe dos meus sentidos e Johannesburg do ouro e do pó. Nunca fui a New York ou São Paulo do Brasil. Chicago, Los Angeles, Londres, Moscou, Rio, não conheço, não conheço as grandes cidades, que as há, do estado de Massachusetts ou da beira do Nilo.
Cidade!, amo em retórica discursiva as outras cidades. Das viagens que tenho feito, por rotas tão diferentes, és sempre a meta, cidade que amo desde sempre, – para lá dos poetas, dos pintores, dos filmes e da retórica discursiva. Os nossos companheiros tiveram a coragem de partir, vivem nas grandes cidades, com história, do mundo, eu fui covarde e fiquei. Experimentei, e não soube, viver longe de ti noutras cidades. Sei que este meu amor é a minha mediocridade também, a mediocridade de quem não teve asas para subir mais alto e orgulho, o orgulho que nada venceu, nem o ser estranho na própria terra. É uma ternura que escorre das tuas tranquilas avenidas de acácias e jacarandás, dos claros prédios, da população colorida, da mansitude da baía, do teu ar de provinciana janota. Cidade, menina fútil de pouca história, carros pequenos nas ruas, velas na baía, patinadores nos ringues, terra de sete estuários, de cinemas e cafés buliçosos, de alegrias e pequenas traições, leviana, ingénua, snob, bonita, mulata, branca, hindu, negra, de cabelos louros e olhos amendoados, morena sensual, terra índica, minha terra, minha amada inocente, prostituída. Amo-te cidade da infância, com girassóis e casa de madeira e zinco a dormir na neblina da memória. As quadrilhas de arco, flecha e pistola de fulminantes, os esconderijos da barreira, o sexo e as coxas morenas de Xila, a Sete de Março da política e dos antigos cafés, a tristeza verde-negra do Enes, o paço do senhor bispo e S. Navio todos os meses.
Quebrou-se esse velho espanto e nossos companheiros tiveram a coragem de partir para outras cidades, com história, do mundo (Para eles tua lembrança é fugitiva mágoa). Só, eu fiquei abraçado a este amor anónimo.
As coisas que amamos, as pessoas que amamos são eternas até certo ponto. Duram o infinito variável no limite de nosso poder de respirar a eternidade.
Pensá-las é pensar que não acabam nunca, dar-lhes moldura de granito. De outra matéria se tornam, absoluta, numa outra (maior) realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos, e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário, de aspirar a resina do eterno. Já não pretendemos que sejam imperecíveis. Restituímos cada ser e coisa à condição precária, rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho de eterno fica esse gozo acre na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.
Finalistas do Liceu Almirante Gago Coutinho de Nampula 69-70
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia. Joaquim se suicidou e Lili casou com J.Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.
Carlos Drummond de Andrade
Hoje, a saudade, e a vontade em rever alguns deles, que são meus amigos, é a razão deste post
Uma casa que fosse um areal deserto; que nem casa fosse; só um lugar onde o lume foi aceso, e à sua roda se sentou a alegria; e aqueceu as mãos; e partiu porque tinha um destino; coisa simples e pouca, mas destino: crescer como árvore, resistir ao vento, ao rigor da invernia, e certa manhã sentir os passos de abril ou, quem sabe?, a floração dos ramos, que pareciam secos, e de novo estremecem com o repentino canto da cotovia.
É um pássaro, é uma rosa, é o mar que me acorda? Pássaro ou rosa ou Mar, tudo é ardor, tudo é amor. Acordar é ser rosa na rosa, canto na ave, água no Mar.
" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca
incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se
sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca,
ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e
imunizados. A mínima exposição a determinadas
circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis
recorrências e acabamos por arder na altíssima febre
de uma recidiva sem regresso nem apelo".
Rui Knopfli