Adeus Nélinha
O Xico fez trint'anos inda outro dia.
eu disse-lhe:
Ó Xico! estamos velhos!
Parece que foi ontem o tempo do liceu.
O Zandamela quando chegou a minha casa
era um miúdo a quem nós pregávamos
partidas,
depois foi abrindo os olhos,
aprendendo
e às tantas, até fazia de piloto
e tal.
Ó Xico, que belos tempos,
e de repente
estamos com trint'anos.
Não demos por nada,
não demos por tal,
não adivinhávamos.
Súbito começámos a aperceber-nos
das coisas e das cores
nas coisas.
Era tudo belo por princípio:
As brincadeiras malucas.
o riso desordenado,
as terríveis aventuras,
as incursões até às Lagoas,
as más notas todo o fim
de período,
e a paisagem certamente.
..........
..........
..........
Nós com trint'anos,
o Amadeu com banca de advogado,
uns no comércio, nas gasolineiras,
em bancos,
outros no mato
e tantos dispersos pelas europas,
e esta sensação
de vazio e imposibilidade
dentro de nós.
Pois bem, tínhamos
descoberto isto: A evidência
de que algo terminara de facto
e de que tudo se reorganizara,
se transformara
lentamente,
através da adolescência
dos primeiros anos de maturidade.
.........
.........
..........
Eu disse isto ao Xico,
e foi como se cá dentro
se partisse qualquer coisa,
porque há muito pensava nisto,
mas não o havia concretizado,
nem o dissera ainda a ninguém;
como uma corda de guitarra
esticada de mais que se quebrasse
sem um som,
sem um gemido,
sem um ai,
mas abrindo uma ferida funda.
O Xico sorriu com aquele sorriso
triste e inteligente,
um sorriso a dizer-me que já sabia tudo.
Em silêncio, depois, sentou-se
ao piano
e pousando nas teclas as mãos compridas
como asas
feriu alguns acordes do adágio
da Patética.
Calou-se, então. Calou-se e sorriu
de novo.
......
......
.......
Porque o Xico,
morreu anteontem à tarde
e foi a enterrar ontem à tardinha,
num dia de sol claro
e céu muito azul.
E, com a nitidez
dos matizes
e a verdade de estarmos
descentrados
da nossa louca invulnerabilidade,
fui acompanhá-lo.
Com os meus cabelos brancos
ainda poucos e ainda jovens
e os trint'anos
sem ilusões,
na tarde de sol claro
e céu muito azul,
onde apenas ocorria este facto
de o sol estar claro
e o céu muito azul,
fui dizer-lhe adeus.
Rui Knopfli
(Adeus Xico)
À Nelinha
Maputo, 4 de Julho de 2009
Etiquetas: LAGC, Moçambique, Nampula, Poesia, Rui Knopfli
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