Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Sputnik






BOMBAS E SATÉLITES

Mais do que nunca e progressivamente o mundo é da publicidade. A guerra de nervos, a guerra fria e todas essas modalidades novas de guerra, sem espadeiradas e sem tiros, guerras de gerações covardes ou escaldadas e escarmentadas - o que, afinal, vem a dar no mesmo - não são mais do que gigantescas lutas de publicidade. Publicidade refinada, em colossal escala e projectada na política internacional. Coca-Cola, Pepsi-Cola. Garrafa pequena, garrafa média, garrafa-família. Bomba atómica, teleguiados, satélite artificial.
É só isso. As grandes potências a disputarem as atenções mundiais. As vedetas invejosas, ciumentas e, no fundo, preocupadas com a bilheteira… Com a bilheteira e com os contratos futuros. Os teatros, o público e os mercados. Está em jogo o poder de gastar dinheiro, a capacidade de aguentar prejuízos, para arrebentar com os concorrentes. Tudo isto representado, na política, por vontade de domínio, interesse de controlar, necessidade de permanecer no lugar de protector, guarita da sentinela.
Diferem os meios e as finalidades, no seu conteúdo ideológico, estas e aquelas discutíveis e que forçam o mundo a escolher, quando pode, como pôde Kravchenko, o que escolheu a liberdade.
De resto, luta publicitária e busca de mercados, para a indústria ou para a doutrina. O mundo de hoje é da publicidade.

*

E se não, vejamos como se afobam, como se multiplicam em informações pormenorizadas e constantes, acompanhando a trajectória do satélite, à volta desta saloiíssima Terra, a Agência Tass e a Rádio Moscovo! É a Voz do Comércio correndo a cidade. Só com a diferença de que toda a gente a ouve e entende. Por outro lado, vem um almirante americano e afirma ser aquilo um pedaço de ferro que qualquer país podia atirar ao ar… Mas a bolinha incandescente vai passando e as populações do mundo tentam, disciplinadamente, descortiná-la e, quer a vejam, quer não, dizem que vai ali aquele aparelho inventado pelos russos, o primeiro satélite artificial da Terra, que foi lançado pelos russos. A maior bomba nuclear foi experimentada pelos americanos.
Pelos russos, pelos americanos. Ora, isto é luta, é publicidade. Coca-Cola, Pepsi-Cola.

Gouveia Lemos

Coluna Mesa Redonda
In: “Notícias da Tarde”, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1639, de 09 de Outubro de 1957, p. 1




SATÉLITES E PROJÉCTEIS

Vejam o aspecto, dia a dia mais acentuado, que vai tomando essa luta científica, pela conquista do espaço. E digam se é ou não é competição publicitária. O satélite anda às voltas à Terra, como um cartaz e nas bocas do mundo como um slogan. Ainda não se desfez, nem como objecto nem como assunto e já se prepara a reacção, que se prevê de monta e que há-de atrair os nossos olhos arregalados para o outro lado do mapa.
A verdade é que, embora seja publicidade caríssima – e quem paga é sempre o público – ela vai-nos garantindo entretenimento e paz. Se Deus quiser, não dará mais nada.

Gouveia Lemos

Coluna Mesa Redonda
In: “Notícias da Tarde”, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1645, 16 de Outubro de 1957, p. 1