Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

sábado, 1 de setembro de 2007

Deixai os doidos governar entre comparsas



Deixai os doidos governar entre comparsas!

Deixai-os declamar dos seus balcões

Sobre as praças desertas!

Deixai as frases odiosas que eles disserem,

Como morcegos à luz do Sol,

Atónitas baterem de parede em parede,

Até morrerem no ar

Que as não ouviu

Nem percutiu

À distância da multidão que partiu!

Deixai-os gritar pelos salões vazios,

Eles, os portentosos mais que os mares,

Eles, os caudalosos mais que os rios,

O medo de estar sós

Entre os milhares

De esgares

Reflectidos nos colossais

Cristais

Hílares

Que a sua grandeza lhes sonhou!


Reinaldo Ferreira, “Poemas”, Livro I – Um voo cego a nada