Linhas cruzadas
Ai de mim!
Que não pedi p'ra nascer
E sou forçado a viver!
A Natureza espreitava
O desejo de meus pais.
E foi pedir ao destino
Que lhes cruzasse os caminhos
Que eles haviam de seguir.
Ah! Pobre mãe!
Antes tivesses nascido
Toda crivada de espinhos,
Estéril como cardo seco!
Mas tinhas olhos de moira:
Um lírio branco murchou
E o teu ventre concebeu
Este farrapo que eu sou.
Duas rectas que se cruzam,
Eis um ponto.
Esse ponto, em movimento,
Há-de ser recta também.
Essa recta e outra recta
Hão-de formar outro ponto,
Novo ponto, nova recta,
E sempre, assim sem remédio.
Eu sou um ponto nascido
De duas vidas cruzadas:
Trouxe comigo um impulso
Que me deu a Natureza
Para seguir um caminho
E a trajectória marcada.
O que me espera? Não sei.
Apenas sei que caminho,
Para um caminho de fel,
Para a certeza do Nada.
Comecei, era menino,
Sou cansado caminhante,
Serei velho peregrino,
E o Nada sempre distante.
Ai de mim!
Que não pedi p'ra nascer
E sou forçado a viver!
Reinaldo Ferreira
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