Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O essencial é ter o vento



O essencial é ter o vento.

Compra-o; compra-o depressa,

A qualquer preço.

Dá por ele um princípio, uma ideia,

Uma dúzia ou mesmo dúzia e meia

Dos teus melhores amigos, mas compra-o.

Outros, menos sagazes

E mais convencionais,

Te dirão que o preciso, o urgente,

É ser o jogador mais influente

Dum trust de petróleo ou de carvão.

Eu não:

O essencial é ter o vento.

E agora que o Outono se insinua

No cadáver das folhas

Que atapeta a rua

E o grande vento afina a voz

Para requiem do Verão,

A baixa é certa.

Compra-o; mas compra-o todo,

De modo

Que não fique sopro ou brisa

Nas mãos de um concorrente

Incompetente.



Reinaldo Ferreira, in "Poemas", Livro I - Um voo cego a nada, Lourenço Marques, Imprensa Nacional de Moçambique, 1960

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