Um Voo Cego A Nada...

" Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doenca incurável, uma virose latente. Mesmo para os que se sentem genuínamente portugueses mascara-se a doenca, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo". Rui Knopfli

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Poema da Auto-estrada



Voando vai para a praia

Leonor na estrada preta

Vai na brasa de lambreta.


Leva calções de pirata,

Vermelho de alizarina

modelando a coxa fina

de impaciente nervura.

Como guache lustroso,

amarelo de indantreno

blusinha de terileno

desfraldada na cintura.


Foge, foge, Leonoreta.

Vai na brasa de lambreta.

Agarrada ao companheiro

na volúpia da escapada

pincha no banco traseiro

em cada volta da estrada.

Grita de medo fingido,

que o receio não é com ela,

mas por amor e cautela

abraça-o pela cintura.

Vai ditosa, e bem segura.


Como rasgão na paisagem

corta a lambreta afiada,

engole as bermas da estrada

e a rumorosa folhagem.

Urrando, estremece a terra,

bramir de rinoceronte,

enfia pelo horizonte

como um punhal que enterra.

Tudo foge à sua volta,

o Céu, as nuvens, as casas,

e com os bramidos que solta

lembra um demónio com asas.


Na confusão dos sentidos

já nem percebe, Leonor,

se o que lhe chega aos ouvidos

são ecos de amor perdidos

se os rugidos do motor.


Foge, foge, Leonoreta

Vai na brasa de lambreta.


António Gedeão

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"Que língua estrangeira é esta
que me roça a flor do ouvido,
um vozear sem sentido
que nenhum sentido empresta?
Sussuro de vago tom,
reminiscência de esfinge,
voz que se julga,
ou se finge sentindo
e é apenas som."

beijo MD

segunda-feira, 16 de julho de 2007 às 23:02:00 WEST  

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