Esboço para a invenção de uma poetisa
De que me serviram as tranças,
Minha mãe, com que sonhavas
Conservar-me a inocência
Que eu não tinha?
Para quê a vigilância
Das leituras que eu fizesse
Que eu fizesse e que eu faria
No prazer entrecortado
Do pecado vigiado?
Que é do marido perfeito,
Feito dos restos do outro
Que sonhaste
E não achaste
E julgaste que me estava reservado?
Onde estão a segurança,
O sossego, a plenitude
Da mulher que fabricaste
Como quem põe a pousada
Na paisagem da altitude?
De que serviu tanta hora
A guiar-me,
A desviar-me,
Senão também,
Minha mãe!
Para que eu misto de esperança
E, como tu, de vingança
Não deixasse
Que a filha da minha carne
As suas tranças cortasse,
Sua leitura escolhesse,
E com firmeza afastasse
O marido que eu lhe desse.
Reinaldo Ferreira,”Poemas” Livro IV, Dispersos
3 Comments:
Ainda em estantes quase nada alheias
O que dói não é um álamo
Não é a neve nem a raiz
da alegria apodrecendo nas colinas.
O que dói
não é sequer o brilho de um pulso
ter cessado,
e a música, que trazia
às vezes um suspiro, outras um berço.
O que dói é saber.
O que dói
é a pátria, que nos divide e mata
antes de se morrer
[Eugénio de Andrade, "A Casais Monteiro, Podendo Servir de Epitáfio", Setembro 1972, Epitáfios, Lisboa, Limiar, 1984]
Quero ir-me embora mas não me deixam, quero levantar-me e sair mas uma parte de mim está quase serena, aqui deitada, cega. Estou paralisada. Um inimigo move-se dentro de mim.
[Rodrigo Guedes de Carvalho, A Casa Quieta]
Gostei.
Obrigado.
F
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